Maconha no Brasil

 

Para alguns talvez seja difícil de aceitar, mas a história do Brasil e a da cannabis andam lado a lado desde 1500, com a chegada das caravelas portuguesas, que por sua vez, faziam o uso do cânhamo no cordame e em suas velas. Não sei se voce já notou, mas a palavra "maconha" tem as mesmas letras que a palavra "cânhamo" escrita em uma ordem diferente.

Segundo documento oficial do governo brasileiro (Ministério das Relações Exteriores, 1959): "A planta teria sido introduzida em nosso país, a partir de 1549, pelos negros escravos, como alude Pedro Corrêa, e as sementes de cânhamo eram trazidas em bonecas de pano, amarradas nas pontas das tangas" (Pedro Rosado).

A maconha não é uma planta nativa brasileira, ela foi trazida pelos escravos africanos, como pode ser conferido nas seguintes passagens:
"Entrou pela mão do vício. Lenitivo das rudezas da servidão, bálsamo da cruciante saudade da terra longínqua onde ficara a liberdade, o negro trouxe consigo, ocultas nos farrapos que lhe envolviam o corpo de ébano, as sementes que frutificariam e propiciariam a continuação do vício" (Dias, 1945).
"Provavelmente deve-se aos negros escravos a penetração da diamba no Brasil; prova-o até certo ponto a sua denominação fumo d’Angola" (Lucena, 1934).

No século XVIII a Coroa portuguesa incentivou o cultivo da maconha no Brasil, e com o passar dos anos o uso recreacional se disseminou entre os negros escravos e logo também entre os índios brasileiros, que por sua vez, passaram a cultivar o que usavam. Porque o uso recreacional da cannabis era, até então, feito pelas camadas socioeconômicas menos favorecidas, não havia interesse em cuidar desse uso, apesar do fato de haver rumores quanto à Carlota Joaquina (esposa do Rei D. João VI) desfrutar do chá de maconha.

A partir da segunda metade do século XIX começaram a haver mudanças na situação da cannabis no Brasil pois chegaram notícias sobre os efeitos prazerosos da maconha, principalmente após a divulgação dos trabalhos do Prof. Jean Jacques Moreau, da Faculdade de Medicina da Tour, na França, e de vários escritores e poetas de lá. Apesar de tudo, o uso medicinal da maconha foi o mais aceito no Brasil, como descrevia um formulário médico em 1888:
"Contra a bronchite chronica das crianças (...) fumam-se (cigarrilhas Grimault) na asthma, na tísica laryngea, e em todas (...) Debaixo de sua influência o espírito tem uma tendência às idéias risonhas. Um dos seus efeitos mais ordinários é provocar gargalhadas (...) Mas os indivíduos que fazem uso contínuo do haschich vivem num estado de marasmo e imbecilidade" (Chernoviz, 1888).

As cigarrilhas Grimault, de Cannabis Indica, ainda em 1905 era indicada para asma, catarro, insônia, entre outros. Na década de 1930, a maconha ainda era usada no meio medicinal e diversas propriedades terapêuticas do extrato do seu fluido eram citadas:
"Hypnotico e sedativo de acção variada, já conhecido de Dioscórides e de Plínio, o seu emprego requer cautela, cujo resultado será o bom proveito da valiosa preparação como calmante e anti-spasmódico; a sua má administração dá às vezes em resultados, franco delírio e allucinações. É empregado nas dyspepsias(...), no cancro e úlcera gástrica (...) na insomnia, nevralgias, nas perturbações mentais ... dysenteria chronica, asthma, etc.".

A repressão, então, ganhou forças possivelmente devido à posição de um delegado brasileiro Dr. Pernambuco, na II Conferência Internacional do Ópio (1924) pela antiga Liga das Nações, que afirmou que a maconha era mais perigosa que o ópio. Estranhamente, o documento oficial do governo brasileiro (Ministério de Relações Exteriores, 1959) dizia:
"Ora, como acentuam Pernambuco Filho e Heitor Peres, entre outros, essa dependência de ordem física nunca se verifica nos indivíduos que se servem da maconha. Em centenas de observações clínicas, desde 1915, não há uma só referência de morte em pessoa submetida à privação do elemento intoxicante, no caso a resina canábica. No canabismo não se registra a tremenda e clássica crise de falta, acesso de privação (sevrage), tão bem descrita nos viciados pela morfina, pela heroína e outros entorpecentes, fator este indispensável na definição oficial de OMS para que uma droga seja considerada e tida como toxicomanógena".

A repressão no Brasil se alastrou e permaneceu durante décadas, tendo o apoio da Convenção de Entorpecentes da ONUque até o dia de hoje considera a maconha uma droga extremamente prejudicial à saúde e à sociedade, equiparando-a à heroína.
"A proibição total do plantio, cultura, colheita e exploração por particulares da maconha, em todo território nacional, ocorreu em 25/11/1938 pelo Decreto-Lei no 891 do Governo Federal" (Fonseca, 1980).

Afirma-se que a maconha não seja uma substância narcótica sendo um erro colocá-la nessa convenção de entorpecentes. A Lei no 6.368, de 1976, prevê pena de prisão para a pessoa que possua qualquer quantidade de maconha, mesmo que para uso pessoal. Nos dias atuais, a lei mudou e só é necessário ir à delegacia e assinar um "atestado de maconheiro", o que pode prejudicar na hora de pegar um emprego ou outras atividades que requerem um nome limpo na polícia.

Todo esse excesso de problemas envolvendo a maconha durante os anos tem reflexos nos dias atuais, pois apesar de ser tratado em diversos países como medicamento, o Brasil ainda tem muito preconceito em volta da planta canábica, como pode ser notado no artigo Maconha, porta de entrada ou de saída do crack?, onde novas portas ao avanço da medicina são difíceis de abrir.

Estudos comprovam que o consumo da cannabis vem aumentando entre estudantes, o I Levantamento Domiciliar sobre Consumo de Drogas no Brasil em 2002 concluiu que 6,9% dos 47 milhões de habitants já consumiram a cannabis ao menos uma vez, isso corresponte a 3,249 milhões de pessoas, sem contar as que negaram para manter a sua privacidade. Fazendo um comparativo, o número de pessoas internadas por intoxicação aguda ou por dependência de maconha nos últimos 15 anos não ultrapassou 300 por ano de 1997-1999, enquanto que no mesmo período as internações por álcool chegaram a um total de 119.906 pessoas.

Concluindo, no "Jornal Brasileiro de Psiquiatria" (29: 353-4, 1980) o maior perigo do uso da maconha é expor os jovens a consequências de ordem policial sumamente traumáticas. O problema das drogas no Brasil sofre de um julgamento apaixonado e moralista e aqui estaremos até que a sociedade entenda que usuários de maconha não são deliquentes drogados viciados em maconha, mas sim pessoas que tem como droga de escolha a maconha, assim como há pessoas que optam por álcool e/ou cigarro.